1. Levando-se em consideração o estado da técnica, qual é o conceito mais atual e adequado para audiodescrição no âmbito dos serviços acima mencionados?
Audiodescrição é, bem como a legendagem para surdos ou closed caption, um modo de tradução audiovisual com vistas à acessibilidade para cidadãos deficientes visuais. Por se tratar da tradução da imagem em palavras, ela também se caracteriza como uma tradução intersemiótica. Em termos práticos, a Audiodescrição é o áudio extra, integrado ao som original do produto audiovisual, contendo descrições de cenários, expressões faciais e corporais dos personagens, ações, figurinos, entradas e saídas de personagens, movimentações em geral e demais elementos relevantes para a captação e compreensão do conteúdo visual da obra por pessoas impossibilitadas de usufruir total ou parcialmente de tal conteúdo. A audiodescrição deve ser inserida preferencialmente nos intervalos dos diálogos e ruídos importantes, podendo ser (i) gravada, sincronizada com as imagens, após roteirização, revisão e preparo para gravação, ex. filmes; (ii) ao vivo, roteirizada, e lida no momento de exibição, ex. teatro, espetáculo de dança, festival de filmes; (iii) ao vivo, simultânea, onde o roteiro detalhado não existe, e a audiodescrição é feita na hora, ex. todos os programas ao vivo na televisão.
2. Haja vista a diversidade de programação na televisão brasileira, quais os tipos de conteúdos passíveis de serem audiodescritos? E quais os não adequados, caso existam?
Todos os programas televisivos podem ser audiodescritos. Não existem programas inadequados à audiodescrição, e sim os que demandam maior ou menor quantidade de descrições, conforme suas características.
3. Dentre as tecnologias conhecidas, tais como o Programa Secundário de Áudio (SAP), Internet Protocol (IP), radiodifusão e redes de telefonia fixa e móvel, qual seria a plataforma mais apropriada para a aplicação da técnica de audiodescrição dentro da realidade nacional?
A plataforma mais apropriada para aplicação técnica da audiodescrição é o programa secundário de áudio - SAP. Esta plataforma oferece som de qualidade e sincronismo, além de já estar funcionando no Brasil. Deve se ressaltar, ainda, o fato de que grande parte dos aparelhos de tv disponíveis já possuem tecnologia para a recepção do SAP. Essa última frase eu diria “Vale ressaltar que grande parte dos aparelhos de tv disponíveis, pelo menos de quase 10 anos para cá, possuem tecnologia para a recepção do SAP.”
Todos os critérios já existentes e favoráveis à implantação da audiodescrição pela plataforma SAP permitem a imediata inclusão do usuário. Caberia às emissoras apenas a disponibilização do sinal SAP em estados e cidades em que ainda não o tenha disponibilizado.
Para aplicações futuras, como a implementação da televisão digital, conforme os artigos 52 e 56 do Decreto 5296/04, os canais de áudio específicos para a transmissão da audiodescrição já estarão contemplados.
Não é plausível o uso de radiodifusão de sons, em razão da necessidade de aquisição de equipamentos e de concessão de canal específico – que pode não estar disponível em todas as áreas territoriais.
A telefonia fixa ou móvel não oferece som de boa qualidade. Já quanto ao IP, não pode ser considerado radiodifusão e necessita de acesso a uma banda de internet específica – que gera custos tanto para o transmissor quanto para o usuário - além de não ser uma via segura de transmissão de dados.
É importante destacar que a radiodifusão, o IP e as redes de telefonia fixa e móvel não são de amplo acesso da população, não oferecem som de boa qualidade, não oferecem condições adequadas para apreensão e fruição do produto audiovisual, além de não garantir o sincronismo com a programação. No momento pensamos que a lei trata principalmente dos meios de comunicação de massa, sendo a televisão seu principal meio. Portanto, pensamos na implementação da AD como um processo gradual, onde as horas de transmissão irão aumentando, bem como as plataformas de transmissão se multiplicando à medida em que a audiodescrição vá se estabelecendo e fazendo parte do dia-a-dia e das necessidades dos deficientes visuais. Neste processo, iremos descobrindo a programação de preferência, horários mais adequados, etc.
4. Diante de experiências bem sucedidas internacionalmente com relação à audiodescrição e das eventuais dificuldades para a sua implementação, bem como soluções para as mesmas, quais os modelos que deveriam ser considerados na definição das políticas nacionais?
A política nacional é responsabilidade do Estado, em resposta à demanda social. Ela obedece aos preceitos constitucionais e a todo marco legal existente no país, que garantem o direito à acessibilidade, incluindo o direito à comunicação e à informação.
O Decreto Legislativo 186/2008 – Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência – adotado no Brasil com equivalência a emenda constitucional, trata no preâmbulo, no artigo 3º e no artigo 9º trata da acessibilidade, incluindo à comunicação e informação que tem que ser oferecida às pessoas com deficiência em igualdade de oportunidade com as demais pessoas.
Especificamente no artigo 30, a Convenção destaca “os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência de participar na vida cultural em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, e tomarão todas as medidas apropriadas para que as pessoas com deficiência possam: (...) ter acesso a programas de televisão cinema, teatro, e outras atividades culturais, em formatos acessíveis”.
Sendo assim, o Brasil já possui uma política pública definida para a implementação de todos os recursos de acessibilidade, e o modelo adotado é resultado do estágio de desenvolvimento tecnológico em que se encontra a sociedade brasileira.
Conclui-se, então, que a implantação da audiodescrição deve ser feita através do programa secundário de áudio – SAP, de forma progressiva como previsto anteriormente.por já ser um recurso conhecido e aplicado, o que facilitaria para o usuário-alvo.
5. Qual o impacto, do ponto de vista econômico, que as diversas possibilidades de aplicação do recurso de audiodescrição podem gerar para os usuários e prestadores? Qual o melhor custo-benefício, levando em conta, inclusive, a implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T)?
Para os usuários, no caso da TV analógica, estabelecido que a audiodescrição será disponibilizada pelo Programa Secundário de Áudio - SAP, praticamente não haverá custos, visto que a grande maioria dos aparelhos de televisão já dispõe da opção SAP. Quando se fala em TV digital, é preciso que se desenvolvam tecnologias próprias, desde agora, para que se minimize os custos de adaptação dos equipamentos já homologados e da implementação nos novos equipamentos que vierem a entrar em operação, conforme a previsão da norma regulamentadora em vigor (artigo 56, Decreto nº 5296/04).
Para as prestadoras de serviço de radiodifusão de sons e imagens, haverá investimento em tecnologia necessária para a transmissão do áudio secundário. Porém entende-se que esses custos serão diluídos entre os anunciantes, patrocinadores e consumidores finais, inclusive criando novos modelos de negócios por meio desse recurso.
Faz-se necessário destacar, ainda, que com a implementação da audiodescrição haverá a inclusão de um numero significativo de telespectadores atualmente sem acesso suficiente à informação, comunicação, cultura e lazer. Tais telespectadores irão incrementar o mercado consumidor de todas as empresas anunciantes nesse meio de comunicação. Portanto, além de garantir um direito indiscutível, a audiodescrição causará um impacto econômico positivo.
6. Diante das possibilidades e das plataformas disponíveis, quais as adaptações técnicas necessárias para a implantação do recurso sob a ótica de usuários e prestadores? Há tecnologia nacional disponível?
No caso da tv analógica, há anos os aparelhos receptores de TV possuem o recurso do SAP, tecnologia simples que já é utilizada por várias emissoras para transmissão eventual de áudio secundário. Portanto, para o usuário, a adaptação técnica é praticamente inexistente.
A adaptação técnica necessária do recurso, sob a ótica dos prestadores, é uma operação simples que envolve a instalação de equipamentos específicos para as transmissões e geração de áudio SAP, caso não os possuam (várias já disponibilizam o recurso).
Com relação à TV digital, será necessário o desenvolvimento de tecnologia que permita disponibilizar canal de áudio específico para a audiodescrição, que já deveria estar sendo providenciado.
7. Para a boa aplicação do recurso, qual a mão-de-obra necessária e o capital intelectual a ser utilizado?
Atualmente, no Brasil, já existem especialistas na área, que produzem e pesquisam a audiodescrição junto a seu público-alvo e formam profissionais na área. Há também algumas iniciativas privadas de empresas que investem na acessibilidade. Para a implementação inicial da audiodescrição, estes profissionais poderão suprir a oferta exigida pela lei. Paralelamente, mais audiodescritores estarão sendo formados.
É conveniente destacar que foram promovidas ações para a formação dessa mão-de-obra qualificada, conforme acordado em reunião realizada entre o Ministério das Comunicações, representantes do setor de radiodifusão, do setor de produção de audiodescrição, do Comitê Brasileiro de Acessibilidade e da União Brasileira de Cegos em 23/07/08, citada na Portaria 466/08..Podemos ilustrar aqui o trabalho desenvolvido nas instituições de nível superior UFBa, UECE e UFMG. Uma vez que a audiodescrição é considerada um modo de tradução audiovisual, especialistas na área já a introduziram nestas instituições. Desde 2004 a Profa. Eliana P. C. Franco pesquisa a audiodescrição na UFBa, com grupo certificado pelo CNPq. A partir de 2005, a Profa. Vera Lúcia Santiago Araújo, da UECE, também iniciou suas pesquisas e implementou o curso de tradução audiovisual na UFMG, onde a audiodescrição passou a ter destaque como módulo e posteriormente como curso de especialização, e também, na PUC-Minas e na UERN. A professora também está implantando um curso de especialização de tradutores na UECE, além de possuir financiamento de agências de fomento à pesquisa (CAPES, CNPq, FAPEMIG e FUNCAP) e instituições financeiras (BNB). Junto com a CAPES, um projeto de cooperação acadêmica coordenado pelas profesoras Célia Magalhães (UFMG) e Vera Santiago (UECE) visa à formação de pesquisadores e profissionais na área de áudiodescrição. O projeto tem duração prevista de 5 anos Eliana Franco e Vera Santiago formaram em 2008 120 audiodescritores certificados por essas instituições. Também nesse ano, as duas professoras e o especialista Rodrigo Campos, da UFMG, formaram a primeira associação de audiodescritores do Brasil, a MIDIACE – Associação Mídia Acessível (
http://www.audiodescricao.net/) que tem promovido a audiodescrição de várias formas, além de já ter estabelecido padrões de normas e roteiro. O interesse na formação continua bastante grande, o que nos possibilita afirmar que possamos atender à demanda do mercado.
Com relação ao capital intelectual, são necessárias competências variadas de acordo com as diferentes etapas do processo de produção da audiodescrição. Todas essas etapas, com exceção do técnico de mixagem, são exploradas nos cursos mencionados.
Os audiodescritores precisam, inicialmente, ter acesso a um conhecimento específico sobre o conceito, (histórico, panorama brasileiro, técnicas tirar), as diretrizes nos variados países para, numa segunda etapa, adequá-las ao Brasil por meio da prática da audiodescrição e revisão, que constitui o foco central dos cursos acima. Na prática, é enfatizado o modelo de roteiro adotado e o processo de gravação. As habilidades necessárias para a roteirização (domínio do português, domínio do software para marcação de tempo, seleção de ‘o quê’ e ‘como’ audiodescrever, sintaxe-chave do texto, percepção audiovisual – em TV, cinema e teatro, ) são todas introduzidas pela prática nos cursos.
Na prática da gravação da audiodescrição ou da audiodescrição ao vivo (roteirizada e simultânea), é enfocada a familiarização com o estúdio, com o aparelho fonador, e com o ritmo do produto audiovisual. Apesar de o audiodescritor-narrador ser um elemento à parte do enredo, sua entonação tem que seguir um pouco o ritmo da obra (por ex. um filme de ação exige uma narração que acompanhe seu ritmo, ou o suspense, e não combina com uma narração suave e lenta).
Para a mixagem dos sons e ajustes de volumes é necessário que o profissional editor de som esteja a par das técnicas de ajustes especificos para a audiodescrição. Numa situação ideal, é recomendado que um audiodescritor acompanhe a gravação e mixagem, a fim de que resolva dúvidas de última hora. Obviamente, na AD ao vivo, isso não se aplica.
8. Qual o custo médio envolvido para a produção de um conteúdo audiodescrito, levando-se em consideração todas as possibilidades técnicas e tecnologias disponíveis?
O custo médio da produção da audiodescrição depende de muitas variáveis e só pode ser estabelecido mediante a análise do trabalho a ser feito. Pode variar de acordo com o conteúdo audiovisual, as necessidades técnicas de entrega e recebimento do material audiodescrito, o tipo de audiodescrição a ser produzida (gravada, ao vivo roteirizada ou ao vivo simultânea), os prazos de produção, o volume de trabalho a ser realizado, entre outros aspectos.
As etapas que envolvem a produção de audiodescrição e que estão contempladas nesta previsão são: recebimento de material, estudo da obra, produção de roteiro, revisão, ajustes e ensaios, gravação de voz em estúdio, edição de som, mixagem do som original da obra com a audiodescrição, finalização e entrega do material em suporte solicitado.
Sendo assim, o valor estimado pode variar entre 3 e 6 mil reais por hora de programação gravada; entre 2 e 3 mil reais por hora de programação ao vivo roteirizada; e, entre 1 e 2 mil reais por hora de programação ao vivo, simultânea. Uma outra alternativa seria, uma vez estabelecida a programação mensal, fechar o preço por um pacote, após analisadas as características do produto audiovisual mencionadas acima.
9. A imposição de cotas na programação, inclusive em horários predefinidos, é benéfica aos destinatários das políticas de acessibilidade?
A adoção de políticas de cotas de implantação progressiva da audiodescrição na programação é benéfica aos destinatários e necessária para permitir que as emissoras de televisão promovam as adequações em sua logística de produção de programas. Também destina-se à formação de profissionais capacitados em conformidade com o incremento da demanda do mercado.
O estabelecimento de horários tem por objetivo fazer com que as emissoras contemplem públicos variados, atendendo crianças, jovens e adultos. Também permite que todos tenham acesso à diversidade de temas oferecidos, bem como a adequação da grade de programação de cada emissora, até que a programação com o recurso de audiodescrição seja a mais completa possível.